Descrição
51 fotografias a preto e branco, de Mário Cabrita Gil, com outras tantas personagens da vida artística e cultural de Lisboa na primeira metade da década de 80. Capa de Alexandre de Melo. Prefácios de Luís Serpa e Eduardo Prado Coelho. «Era uma vez uma cidade… O ano era o de todos os anos. Um fotógrafo, no seu jipe branco, percorria as ruas, atravessava as noites, descia aos bares, às galerias, às discotecas, aos desfiles de moda. Falava com este e com aquele, entrava e saía em todos os lugares. A horas certas, encontrava as mesmas pessoas. Eram elas personagens-tipo de uma ópera interminável, farsa e tragédia, uma mistura interessante. Bons actores, representavam o papel que lhes competia com brio, arvorando os sinais competentes e as emoções que são de esperar, ou não, nestes casos. Pertencendo ao mesmo enredo, todas essas pessoas criavam entre si uma teia mais ou menos intrincada de relações, ligações e limites. O fotógrafo observava. A necessidade de contar uma história, a sua história, passava inevitavelmente pela captação desse momento, dessa situação. Todos sabemos que quem faz a História são os poetas, os romancistas, os fotógrafos, os repórteres. Como saberíamos nós da guerra de Tróia se Homero não a tivesse cantado em verso, tendo como pretexto a beleza de uma mulher? Toda a História é um longo acto de snobismo. Porquê escolher uns e não outros para que sejam recordados para o melhor e para o pior? Que determina esse acto selectivo? Alguém deseja contar a sua história. Imagina, ficciona. E surge um livro. Neste caso, de fotografias. E a ausência da fotografia do autor justifica-se plenamente, uma vez que o próprio livro é essa fotografia. Mário Cabrita Gil poderia ter escolhido lugares, ruas, casas, como ponto de mira. Poderia ter registado guerras e revoluções, guerrilhas e vulcões, cimeiras políticas. Escolheu pessoas, rostos, poses. Diz Kierkegaard em Diapsalmata: «Ma peine est mon château seigneurial, perché là-haut comme un nid d’ai-gle, sur le faîte des montagnes, au milieu des nuages; personne ne peut l’assaillir. De là, je prends mon vol, je descends dans la réalité et saisis ma proie; mais je n’y reste pas, j’emporte ma proie chez moi. Cette proie, c’est une image que je tisse dans les tapisseries de mon châ- teau.» Mário Cabrita Gil levou as pessoas ao seu estúdio; vieram, cada uma carregando a imagem feita de sinais que cada um de nós gosta de fazer crer ser essa a verdadeira. Ser-se fotografado é uma experiência limite, todos o sabem. O momento é de tensão, sem dúvida excitante, mas angustiante, de expectativa. E um tempo de confrontação. Mas a vontade de deixar fixada a imagem é afinal o simples desejo de não morrer, tornando-se no entanto embaraçosa a procura da pose que, sabemos, ficará inscrita ad pertetum. O fotógrafo capta esse instante, apodera-se dele, regista-o. Na troca de olhares entre fotógrafo e «objecto» há toda uma manipulação de reflexos, como um jogo de espelhos. Mário Cabrita Gil lançou um desafio; invectivou amigos, conhecidos e cúmplices a mostrarem-se. Como cada um o desejava, como ele o desejava. Na capa, a imagem de Alexandre Melo é exemplo magnífico: o esteta, o dandy, o sedutor, joga o seu combate. Helena Vasconcelos»